terça-feira, 20 de setembro de 2011

sábado, 20 de agosto de 2011

Rubens Gerchman

Tá. Passaram-se 10 anos, pois é. Agora, me vejo nessa perspectiva: sou velha ou precoce? Boa pergunta. Em todo caso, vim aqui para prestar homenagem ao meu padrastro, falecido a três anos, de um câncer meio fulminante e ao mesmo tempo previsível para os artistas que trabalham com tintas metálicas. Câncer de pulmão.

E isso também me fez pensar em coisas do tipo: o artista dedica a vida ao trabalho e morre dele.

Depois disso (meio inconformada), penso: é normal.

Dar. Dar também é sugar do outro a vontade de receber. Suprir a vontade do outro, aniquilar também a necessidade do outro de querer, o quê? O artista é foda. Vai dar, você querendo ou não.

E ele, meu ex-padrastro, vivia imerso nos momentos em que sua arte era posta de fato em desafio, e, em que ele mesmo, Rubens Gerchman, sentia-se transportado por suas opiniões. Opinião 64, seu grande orgulho. Ter participado, fomentado o movimento nas artes plásticas; o Opinião 64. Agitado por companheiros seus como Antonio Dias, Jean Bogich, Roberto Magalhães, esses cito, por terem sido os mais queridos por Rubens. Opinião 64. Um movimento quase anti-neoconcretista (apesar de adorar Hélio Oitica e Ligia Clark). Mas, sempre me dizia, a mim que era apaixonada pelo trabalho de Ligia: "Você, não sei se ia gostar dela, sabe, era uma mulher inteligente, mas seca, muito seca."

E assim, depois, me falava das suas aventuras nos primórdios de uma arte, tão fundamental, para a nossa identidade também, a Nova Figuração, a Pop Art terceiro mundista, barroca e bem amada, apesar de tudo. Era algo que vinha junto de poetas como Gullar em "não há vagas". Anti-conformismo, utópias socialistas, e muita vontade de sacudir a apatia da classe média. Seguiu-se o AI5. E marcante para o Rubens nesse período (coincidência, ou suas teorias da conspiração faziam total sentido?), foi o incêndio no MAM. O incêndio causou o arrasamento das obras de Torres Garcia. Ele, o Rubens, nas fotografias, cabeludo e convicto de uma máquina burocrática se não facistóide, no mínimo descompromissada com a Cultura de seu país, tinha certeza de que o incêndio no MAM não era descaso coisa nenhuma; era uma chamada, um pré-aviso da repressão.

E aí, também posso escrever-falar por décadas desse meu padastro tão especial, amigo e ídolo; o Rubens, mon cheri.

Mas aqui, um vídeo que fiz percorrendo sua obra de 1962 a 1979, o tempo em que diagramava fotonovelas na Sétimo Céu, o tempo do AI5, o tempo que pesquisou populações do alto Xingú, depois o tempo de bolsista em Nova York (comendo o sopão de domingo no Botero, que segundo ele, vivia bem, pois era bancado pela máfia Colombiana, rsrs), o tempo de seu amor incondicional pelo futebol e pelo flamengo (esse tempo foi sempre), o tempo da sensação dos concursos de Miss Brasil e dos primeiros sutiãs feministas, e retribuo, minúsculamente, ao carinho que ele esbanjou, dizendo da saudade tremenda que sinto dele. O artista que me criou. O Rubens.




sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Sob o sal

Esse é um trecho de algo que estou escrevendo agora, depois de um ano e meio entregue ao ESTRANGEIRO NA GAIOLA (selo.EDITH). Não sei o título nem o tamanho do que será isso, por enquanto, estamos, Gustavo e eu, numa viagem ecoturística em Alcapulco.


Você ajusta a borracha da máscara atrás, embaixo do rabo de cabelo já molhado. O cabelo é prata e destoa da idade preta nos pelos. A franja cobre o limite da máscara, a roupa térmica isola o quase gelo do fundo, estamos nele, e passaremos a manhã submersos. Houve um guia, um homem moreno entorno da piscina de alguma marina. Na piscina, nunca cheguei tão perto dos azulejos, os olhos aumentam, toco as futuras ruínas do nosso passeio, desenham cidades interioranas transmutadas em fungos para peixe. Não sei se a lente ou o oxigênio comprimido na garrafa, mas há lentidão debaixo d’ água. A respiração inala o gás ali atrás, amarrado nas costas, fingindo-se vértebra fora do corpo, emprestando um anexo de metal. O homem moreno, o homem-guia, discursa sobre a pressão, sobre a contração e o relaxamento, as idas e vindas, os ventrículos, o perigo da narcose, a pleura do pulmão e o intervalo de três minutos a cada metro durante a subida. Na piscina, os turistas-elefantes. As trombas de plástico emergindo da boca e os azulejos brancos agigantados. Passaremos a manhã submersos, passaremos a manhã em Yucatã.

E o homem moreno daqui é disforme, as lentes cresceram os pés e esqueceram-se da cabeça, felpuda lá no topo. Quem fala comigo são eles, não o moreno, o homem-guia, quem avisa do estrondo são os pés vistos daqui.

O seu cão preto não veio. Continua ali, os buracos na praia, latindo para as espumas. Não sei para onde ir com essa parafernália de mergulho e levanto o dedo interrompendo o homem-guia. Os turistas no azul cristalino e as trombas. Menos você, absolto por um detalhe também branco do azulejo no fundo. Repito em voz alta não sei para onde ir com esta parafernália de mergulho juro é verdade, e o homem-guia responde você vai visitar as crateras deixadas pelo meteoro em Yucatã. Ele insiste n’ outro causo de colisão, ainda mais submerso, de certa crise biológica desfazedora de moléculas e do quase quadrúpede engatinhando nas paredes das casas de praia sob a forma de lagartixas albinas. Lagartixas albinas, vendedoras de passado.

Credo.


E essa viagem imaginária me fez lembrar outra viagem, turística, que fiz na virada, para o Acre. Mochileirando com uma camera na mochila, conheci esses figuras, lindos e mágicos, aqui no vídeo:




segunda-feira, 8 de agosto de 2011

GLAMOUR no TROMBOSE

Eles estão presos no elevador centenário. Talvez caiam no fundo do poço, profecia do Louco. Ou comam-se vivos, desejos de Elvis. Talvez uma criança esteja no lugar errado e o poço não tenha fim.
Esse é o elevador do Hotel Trombose. O curta que dirigi em 2011. Produzido pelo autor do romance adaptado, o Felipe Valério.



O curta vai passar no ZAP (Zona Autônoma da Palavra), dia 11/08 a partir das 19hs.
R. Dr. Augusto de Miranda, 786
Pompéia
São Paulo, SP, Brasil

(contato do curta: manucarioca@yahoo.fr)

HOTEL TROMBOSE no ZAP

Hotel Trombose é o nome do curta que dirigi com apoio da Fernanda Grigolin e Luz em Cena, da Edith (coletivo de literatura contemporânea do qual faço parte), e, de vários artistas e profissionais que abraçaram a história.
O curta é inspirado no romance de estréia do Felipe Valério Borges, outro integrante da EDITH. O livro desenrola-se dentro deste hotel-pensão, o TROMBOSE, e cada capítulo; dentro de um quarto. As histórias correm paralelas e em comum dividem uma tensão prestes a explodir, são os coágulos deste Hotel-Corpo.
Eu escolhi, com o autor Felipe Valério, 5 contos, equivalentes a quatro quartos e um elevador, para adaptar. Felipe também foi parceiro absoluto, produziu o filme, vestiu a camisa e quando o filme passa em público, ele é sempre o primeiro a chegar e o mais entusiasta, que prazer!
No trecho abaixo, um dos coágulos do curta-livro que ainda em processo de edição foi parar na rede! E para quem quer ver "tudo-tudinho", venha no ZAP (Zona Autônoma da Palavra) nesta quinta, dia 11/08 a partir das 19hs, vamos ler e passar o HOTEL TROMBOSE!



11/08 no ZAP, Nucleo Bartolomeu de Depoimentos
R. Dr. Augusto de Miranda, 786 - POMPÉIA
São Paulo, SP, Brasil
A partir das 19hs

sexta-feira, 29 de julho de 2011

O Estrangeiro na Gaiola


DRACONIS

Erly contou-me da tua mudança para DRACONIS. Mala e cuia. Você passou no Castelo enquanto eu estava na rua. Nenhuma cueca na gaveta. Foi neste dia. Picotei teus pedaços e pedalei até a Floresta. Um banho de água doce. Fiquei lá, no meio da seiva, ouvindo os sinsarás. Te enterrando aos poucos. Faz 48 meses.

Em DRACONIS, só sete meses te moveram, nem sei.

Nos bolsos de Erly, encontro um livro e imagino notícias. O autor, Doutor Drops. Abro a página 24.

(...) Será o envelhecimento precoce em DRACONIS causa dos excessos no modo de vida deste Oasis em nossa galáxia vazia? Será que conseguiremos perfurar as terras de Draconis com tubos incandescentes capazes de incendiar o gás gelado no centro deste planeta? Seremos capazes de melhorar as condição de vida em Draconis? Será que existiria interesse político, econômico e espiritual (tendo em vista que a totalidade do planeta Draconis é uma teocracia, exceto por pequenos grupos rebeldes sem expressão)?(...)

Absorvo a Teoria do Doutor Drops como se fosse uma verdade absoluta, um guia, coisa assim. Tudo faz sentido, finalmente. A rotação de Draconis é doze vezes mais lenta, e seu tamanho duas vezes menor. Na composição do planeta, bem no cerne da bola, não há magma ou calor algum, evapora dali o gás eloxígeno, o gás gelado. A composição do planeta exige: um Draconiano precisa se deslocar sem repouso para aquecer a corrente sanguínea e prolongar sua permanência sobre o coração lento e polar de Draconis. Por instinto, os conterrâneos de Pingüim (será que Pingüim é um deles?), são nômades incansáveis. Consomem, rapidez do pássaro, todo o oxigênio que lhes é destinado até a morte, e, envelhecem de tanto bater asas e rodar léguas. Está tudo escrito, pode olhar, na Teoria da Evolução Draconiana.

(..) Sendo Draconis o único Oasis vivo em nossa galáxia vazia, onde não circula nenhum sangue a não ser o nosso e o deles, não seria nosso dever ajudar a população draconiana à prolongar sua longevidade?(...)

Incrível. Doutor Drops conclui sua tese com um cálculo filarmônico. No meio das potencias elevadas, e das raízes, quadradas, eu dedilho as tuas rugas. Velhice aflita, Pingüim.

Fecho o livro, destranco o cadeado da bicicleta e me deixo ir, por aí.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

LITERTATURA ORAL

O Boto. O boto Tucuxi, conhecem? Um feiticeiro me apresentou no Acre, no reveillon de lua gordah em 2010.
Eram três da madrugada quando a porta do quarto. Meandros da selva Amazônica pela primeira vez, há sete horas de voadera de Boca do Acre (cidadezinha à las Pantaleonas), há três de ônibus da capital, e não menos que outras sete de avião da megalópole, lá. Estava eu deitada e as janelas explodindo com fitas crepes nas laterais (tenho experiências cavernosas com cobras tropicais). toc-toc, vem! ô-Manu-vem! (antes d' eu responder ali) Tem uma cura, você pode vir, hoje você trabalhou muito e tá com a Jurema, venha mulher! Tá, que bom. legal. é onde? posso levar a camera? Traz tudo, você vai trabalhar comigo, é na Maria, ela travou a perna nas folhas lá na igreja, já tô com os óleos aqui. Amor, tô indo ali com o Licineo numa cura, tá? (meu marido mexeu: Oi??) Uma cura, o Licineo...sabe? Tô indo. (Não são 3 da manhã?) É rapidinho, amor.
Quatro da manhã (inclusive, é o horário de Clarice, ela diz nas entrevistas; acordo para fumar e tomar café, e, sugere um baile dos soltos por aí nesta zona intermediária, entre dia e noite).
A casa era de caboclo. Um cômodo e a cozinha integrada. Cinco pessoas, todas mulheres, em colchões, não dormiam. Uma rede no centro do espaço, era a cama da Maria, senhora morena, já passada dos 75, aparentando menos, corpo presente. Fomos pelas trilhas com laterninhas fracas, porque os olhos de Antônio, o mateiro, e, de Tadeu o companheiro-medium, eram bons demais, gatunos. A floresta de noite é tão estimulante quanto as imensas cidades. O breu é molhado, e, tudo de verde, na meia-luz, assume forma de bichos e seres mitológicos.

Esse vídeo aqui abaixo registra essa nossa visita de cura, guiada pela canto do Boto Tucuxi, auxiliado pela Jurema e a fumaça do Pena Branca.